Nem da Rocinha e Beltrame: Lições de Liderança – iPL semanal número 33
Os últimos acontecimentos na comunidade carioca da Rocinha trouxeram para os holofotes dois líderes: Nem, o chefe do tráfico de drogas, e José Mariano Beltrame, o Secretário Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Eles estão em lados opostos de uma verdadeira guerra que já se estende por alguns anos. No âmbito da liderança, este cenário traz à tona a discussão sobre o que é, de fato, liderar, quais os desafios mais profundos enfrentados por um líder e como evitar a derrota de sua causa e de seus liderados.
Há anos, a literatura sobre liderança desistiu de buscar características e qualidades específicas em um líder e passou a tratar dos aspectos intrínsecos à prática de liderar. Um exemplo é a teoria do Great Man, que tenta explicar a História a partir do impacto dos “Grandes Homens,” e que foi abandonada décadas atrás. “Liderança é ação, não se trata das características da personalidade de um líder”, afirmou o CEO do iPL, Carlos Da Costa. “Infelizmente, as pessoas ainda relacionam liderança a grandes personagens da história, que foram carismáticos, com capacidade de mobilizar multidões. Isso não é liderança, mas somente mobilização.”
De acordo com a definição de liderança de Joseph Nye, líderes são aqueles que ajudam um grupo a criar e a atingir objetivos compartilhados. Para o especialista Warren Bennis, liderança é o uso sábio do poder, e poder é a capacidade de traduzir intenção em realidade, sustentando isso. Com ou sem autoridade formal sobre as outras pessoas, o líder tem o poder de influenciá-las, facilitar o caminho e inspirar o grupo com ideias de transformação. “Líderes que mobilizam massas, mas as levam ao fracasso, desempenham muito mal o seu papel. Esse foi o caminho trilhado por Nem”, disse Da Costa. “Por outro lado, embora Beltrame não seja um comunicador de massas, tem desempenhado seu papel de líder de maneira exemplar.”
Não é por acaso que, depois de tantos anos, os problemas do tráfico de drogas nas favelas cariocas começa a ser resolvido. “No papel de líder, Beltrame conseguiu analisar o cenário por completo, fazer as coalizões necessárias para essa reforma e promover uma verdadeira reorganização da polícia militar”, disse o sociólogo da Universidade de São Paulo Leandro Piquet. “Colocar tanques nas ruas quando acontecem grandes eventos é uma saída que exige menos esforços, mas que só funciona enquanto os tanques estiverem lá. No entanto, a decisão de Beltrame, de assumir o verdadeiro desafio de liderança, com o objetivo de realizar uma transformação no sistema, deve ser a verdadeira solução. Já se vê que até a população da comunidade local apresenta mudança de mentalidade em relação a isso.”
Uma abordagem comparativa da liderança de Beltrame e de Nem remete aos conceitos de Liderança Ressonante e Liderança Dissonante, desenvolvidos pelos especialistas Annie McKee e Richard Boyatzis. Líderes ressonantes estão conectados com as pessoas ao seu redor, resultando em uma equipe que trabalha em sintonia, com pensamentos (o que fazer) e emoções (por que fazer) alinhados. Líderes capazes de criar ressonância têm alta inteligência emocional e entendem que sentimentos de medo e raiva somente mobilizam as pessoas no curto prazo, tornando-as inefetivas ao longo do tempo. Os líderes ressonantes inspiram ao demonstrar paixão, comprometimento e um interesse profundo pelas pessoas e a organização.
Por outro lado, líderes dissonantes espalham emoções negativas, que não somente fazem as pessoas se sentirem menos inteligentes emocionalmente como destrói qualquer empatia criada no ambiente de trabalho. Em casos mais extremos, eles podem se tornar sociopatas sociais, destruindo equipes e a própria organização, sem reconhecer a força negativa que têm, ou simplesmente não se importando com ela. Há, ainda, líderes dissonantes que usam o próprio carisma para manipular e enganar pessoas. No momento em que os liderados percebem a dissonância, o relacionamento entre eles se converte em cinismo e falta de confiança. Por isso, quando vemos líderes em uma organização com características dissonantes, como foi o caso de Nem da Rocinha, sabemos que o futuro reserva problemas – ainda que apresentem alta performance no curto prazo.
Aos líderes das organizações, é preciso estarem atentos à capacidade de enfrentar os desafios reais de liderança, usar de maneira sábia seu poder e evitar os riscos da dissonância. Líderes emocionalmente inteligentes contróem ressonância conectando-se com os sentimentos das pessoas ao redor e guiando-as na direção correta. Entre os riscos e as possibilidades de mantermos líderes como Nem ou como Beltrame, nós nos perguntamos se os nossos líderes passam no teste da liderança ressonante.
Os 3 Mitos da Liderança Ressonante
1. QI é suficiente para Liderança Ressonante: Competências relacionadas a inteligência emocional e social são os fatores mais importantes para distinguir líderes ressonantes de líderes medianos. Tais habilidades não se tratam de QI, diplomas ou expertise técnica, como, muitas vezes, se pensa. Inteligência emocional dá aos líderes a capacidade de lidarem com suas questões internas. Inteligência social é a habilidade de entender e interagir com outras pessoas.
2. Seu humor não faz diferença: Usar emoções de maneira inteligente consiste em construir relacionamentos e alcançar objetivos em grupo é muito mais difícil do que aprender um balanço financeiro. No entanto, muitos de nós fomos programados para creditar que podemos eliminar as emoções de nosso campo profissional.
3. Líderes efetivos prosperam em pressão constante: Até mesmo os melhores líderes vivem tempo difíceis sustentando efetividade por longos períodos, enquanto encaram os diversos desafios do dia-a-dia. Muitos líderes estão caindo em padrões destrutivos e levando, com eles, seus liderados.
Fonte – Primal Leadership: Realizing the Power of Emotional Intelligence